Rotina de aluno indígena tinha carona, travessia de rio e viagem de ônibus

por Rebeca publicado 16/12/2019 21h35, última modificação 17/12/2019 12h45
A rotina do mais novo técnico em agropecuária Marcelo Batista Simão, 20, da Comunidade Indígena São Luís, durante os três anos de aulas do curso integrado ao ensino médio na modalidade de alternância, foi puxada

A rotina do mais novo técnico em agropecuária Marcelo Batista Simão, 20, da Comunidade Indígena São Luís, durante os três anos de aulas do curso integrado ao ensino médio na modalidade de alternância, foi puxada. Teve caronas de motocicleta, travessias de rio, caminhadas e viagens de ônibus. No meio da trajetória, ele ainda enfrentou a perda da sua maior incentivadora: a mãe Vanilda Batista.

Junto com outros 20 alunos, Marcelo integrou a primeira turma exclusivamente indígena ofertada pelo Campus Amajari do Instituto Federal de Roraima (CAM/IFRR).  Nas turmas de alternância, os estudantes dividem os estudos em duas etapas. Em uma, passam 15 dias aprendendo teoria e prática na escola, e, na outra, 15 dias na comunidade. Nesta última etapa, chamada de Tempo Comunidade, precisam desenvolver atividades nas suas localidades, quer apoiando projetos existentes, quer implementando novas intervenções.

Para poder estudar no Campus Amajari, Marcelo tinha de acordar às 4 horas da manhã, arrumar a mala, tomar café, ir de carona de motocicleta com o irmão até à beira do Rio Cotingo, pegar uma canoa e remar até o outro lado. “No verão, atravessar é tranquilo, mas, no inverno, como o rio é estreito, ele pega muita água rápido, o fluxo aumenta. Muitas vezes, tive que esperar a água baixar, porque, senão, a canoa podia virar”, explicou.

Ao atravessar o rio de canoa, Marcelo caminhava uns 50 metros para esperar na estrada principal, que corta a região e dá acesso ao Município do Uiramutã, para poder pegar o ônibus da linha que descia das serras, por volta das 9h20, e chegar umas 10h20 à Comunidade do Contão, local onde pegava o ônibus com destino ao CAM.

No Contão, ele ainda esperava mais um pouco. A turma da alternância deixava a comunidade por volta das 13h30, rumo ao Campus Amajari. Dependendo da estação do ano (inverno ou verão), a viagem podia levar até quatro horas. Em tempos de estiagem, esse tempo diminuía.

Com uma rotina considerada puxada para muitos, o formando disse que, apesar de ter sido difícil ficar longe da família, a única vez que pensou em desistir foi quando perdeu a mãe, em agosto de 2018. Marcelo estava na escola almoçando, quando foi chamado por um servidor do campus para conversar.

“Eu pensei logo na minha família, mas nunca imaginei algo com minha mãe. Ela era minha incentivadora, me dava força, me ajudava. Quando ela morreu, tive que trabalhar, dar um jeito de conseguir dinheiro.  Pensei em desistir da escola. Fiquei um mês sem ir à escola, mas aí pensei no que ela me falou, de não desistir nunca. Minha formatura eu dedico a ela”, disse com os olhos marejados, lembrando que não conseguiu se despedir da mãe, pois recebeu a notícia dias depois do ocorrido.

Sobre os novos planos, ele disse que pretende prestar o vestibular para o curso de Tecnologia em Aquicultura do CAM. “No início das aulas, foi difícil, não entendia algumas coisas que professores falavam, mas agora tô acostumado com o ambiente e com o ritmo de estudos”, comentou.

 Quem também pretende continuar estudando é a formanda Pâmela de Lima dos Santos, 18, da Comunidade São Jorge, a 7 quilômetros do Surumu. Segundo ela, os três anos foram muito puxados, mas valeram a pena, pois antes pensava apenas em terminar o 3.° ano. “Agora não penso mais em parar, porque o estudo é a única coisa que vai retribuir o meu esforço e dar uma vida melhor pra mim e minha família”, disse.

 

Ascom/Reitoria
Rebeca Lopes
Fotos: Nenzinho Soares
14/11/19

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